quarta-feira, abril 30, 2008

Music e A Maior Flor do Mundo

A história que a Music escreveu para as imagens que se seguem de José Saramago:



O meu nome é Gibril e vou contar-vos o que me aconteceu, quando tinha oito anos.
Nessa altura, via o mundo pequeno, porque também eu era pequeno. Seguia o meu pai para todo o lado e tentava imitá-lo. Se ele plantava sementes, eu plantava berlindes. Se ele cortava flores, eu arrancava as pequenas folhas dessas flores. Quando fosse grande, queria ser lavrador como ele.
Um dia, segui o meu pai até aos montes, fora da aldeia. Ele parou ao pé de uma árvore e de uma flor. Fechem os olhos e imaginem uma árvore e uma flor ao lado uma da outra, felizes e sorridentes. Imaginaram? Um, dois e três! Agora, vou continuar a minha história.
O meu pai arrancou a árvore e colocou-a na carrinha. Estive tentado a arrancar a flor, mas vi, no chão, um escaravelho atarefado e pensei que se o meu pai levava a árvore, então eu podia levar este bichinho para casa. Trazia comigo uma caixa com uns buracos e zás! meti o escaravelho lá dentro. Para ser verdadeiro com vocês, já andava preparado com aquela caixa, há alguns dias, porque numa destas saídas observara com atenção formigas e outros insectos que me pareciam ser bons companheiros para a brincadeira.
Durante o caminho, o escaravelho gritou qualquer coisa como isto:
“Raio do puto! Deixa-me sair daqui! Não quero ser teu amigo! Tenho asas, não vês? Achas que posso ficar aqui fechado? Se tenho asas são para voar!”
Quando cheguei a casa, abri a caixa devagarinho para espreitar o desgraçado que desatara aos pulos. Num abrir e fechar de olhos, o escaravelho voou com quantas asas tinha. Corri atrás dele, subi a um escadote colado ao muro do quintal e lá ia o bicho em direcção à floresta a deitar-me a língua de fora:
“Ih, ih, ih, pensas que tenho asas para ficar a olhar os teus lindos dentes?”
Não me dei por vencido. A floresta era perigosa, o rio era perigoso diziam os meus pais e a gente da aldeia. Olhei o mundo de areia e solidão à minha frente, ao longe, uma mancha verde, e saltei o muro. Segui o escaravelho, tropecei, caí. Ele jurava a asas juntas que se não o apanhasse rezaria todas as noites uma oração antes de adormecer. Há lá coisa mais bonita que um amigo voador? Um amigo que falava? Entendia-o melhor a ele do que às pessoas crescidas que julgavam sempre que sabiam tudo. Por exemplo, o padeiro nem para mim olhava, nem um bolo de arroz me oferecia. O leiteiro olhava-me de lado sempre à espera de me apanhar com a boca numa das suas garrafas de leite! Os vizinhos estavam sempre a dar-me sopapos nas costas… cresce rapaz, cresce rapaz! Mas cresce o quê?
Atravessei o rio por cima de uma árvore-ponte e, agora, imaginem outra paisagem (sim, fechem os olhos): uma floresta verde com árvores gigantes, flores, mariposas, pássaros coros de chilreios, folhas e folhas por onde a brisa de um vento suave vibrava. Conseguiram? Era aí que eu estava! Na floresta perigosa! Era tudo tão agradável! Os cheiros. Os sons. As cores. As flores macias. O perigo é mau. Aquela floresta era boa.
Continuei a correr, mas não atrás do meu amigo. Corria, porque era bom correr e ver coisas que nunca tinha visto. A floresta acabou e dei de caras com um sol quente luminoso que me atrapalhou a visão. Estava no monte onde moravam a árvore que o meu pai arrancara e a flor. A flor ainda lá estava, sozinha, com as pétalas a tocarem o chão seco como um pão de duas semanas. Tinha sede. Talvez estivesse triste por estar só. Lembrei-me do rio. Corri e passei pelo meu amigo que estagnou de medo.
“Pareces um foguete! Se tivesses asas, estava bem arranjado! Ah! Agora não me ligas? Grande amigo que tu me saíste! Ufa! Também não quero ser teu amigo para viver prisioneiro numa caixa!”
Com as minhas mãos feitas concha carreguei água e deixei-a cair na terra junto aos pés da flor. Ela olhou-me e vi um sorriso nas suas pétalas brancas. Mesmo assim, estava com aquele ar triste de quem não tem amigos. Corri vezes sem conta com água nas mãos e reguei-a até o seu caule se erguer e a tristeza desaparecer do seu rosto de pétalas.
Cansado, deitei-me na sua sombra. Ela ofereceu-me uma das suas pétalas e colocou-a sobre mim como um lençol de seda. Adormeci. Acordei ao som das vozes dos meus pais que me perguntavam o que tinha acontecido. Contei-lhes tudo tintim por tintim. Pedi-lhes para me acompanharem todos os dias até à flor, minha amiga, para lhe dar água e miminhos. Os amigos precisam de miminhos, não é verdade? E assim se passou uma semana…
No entanto, algo de estranho aconteceu. A flor cresceu e cresceu de tal maneira que se via dos quatro cantos da aldeia. Nunca ninguém houvera visto uma flor tão alta, tão cheia de vida! E ninguém sabia explicar a razão de ser a maior flor do mundo.
Cá para mim, foi a alegria que a fez crescer tanto assim. Talvez a minha amizade. Julgo que ela cresceu por tudo isto, mas, sobretudo, para conseguir ver a sua amiga árvore que o meu pai plantara no nosso jardim.
Depois deste acontecimento, não quis mais ser lavrador e resolvi ser poeta. Sabem o que faço? Brinco com as palavras, escrevo-as em folhas de papel como as pétalas da minha amiga. Observo com amor o mundo à minha volta e respeito todos os seres vivos.
Ah! O escaravelho refilão? Tornou-se o meu maior amigo. Cada vez que ia ao monte regar a flor, conversávamos pelo caminho e despedíamo-nos “adeus, até amanhã!”

5 comentários:

Anónimo disse...

Sabe bem ter amigos,não sabe?

Anónimo disse...

Se sabe, patty!!! Amigos que andam com as 4 patas, então... é maravilhoso!
kisses

PAC disse...

boa Music! parabéns pela estória.

Maura disse...

Só duas mulheres corajosas me enviaram as suas estórias para publicação... continuamos à espera de mais!!

Anónimo disse...

Obrigada pac(ito) e maura!
Só agora vi os vossos comentários.
kisses